
"O DIA EM QUE ENCONTREI MARTY McFLY
Aquela cafeteria não é como eu imaginava. Não há máquinas de videogame, robôs atendentes ou garrafas de Pepsi surgindo no balcão. Vejo apenas um velho Lou contando os dias para sua aposentadoria. E um cabisbaixo cliente.
Ele veste um blazer cinza esquecido no tempo. Camisa perfeitamente esticada, gravata com nó simples e sapatos pretos. Bebe café enquanto faz dobras no guardanapo e, de canto de olho, fiscaliza o preparo de suas panquecas. Sento ao seu lado e, ainda tentando conter a excitação, faço a pergunta planejada há 10 anos:
- Por que o futuro não é como você nos mostrou?
Silêncio. Um breve sorriso, um gole de café e a resposta vem com as sobrancelhas arqueadas:
- Ainda faltam alguns anos, filho. Cinco anos e 350 dias, pra ser mais exato.
Marty McFly parecia deprimido. As rugas e sinais do tempo eram evidentes. Reparei na falta da aliança, mas preferi não tocar no assunto. Antes de perguntar sobre o hoverboard, Marty fez o favor de puxar um assunto:
- As brigas.
- Que brigas?
- Com o Biff. Começavam todas aqui.
- É, eu lembro. Eu vi.
- Mas eu nunca lutei por ela.
Mais uma vez, silêncio. O nome “dela” era Jennifer, você deve lembrar. Ela havia o deixado. O motivo era desconhecido. Um dia Jen simplesmente decidiu partir de Hill Valley. Parecia que ela estava em Nova York trabalhando numa agência de mídias sociais, coisa do gênero.
- Eu enfrentei cowboys, índios e ursos. Andei em trem desgovernado, skates voadores e fui arrastado por cavalos. Briguei em bares, festas e no meio da rua. Levei um tiro. Pulei de um prédio. Apanhei. Apanhei muito. E tudo isso por quem? Por mim. E fui o maior egoísta de todos. Perdi minha mulher. Eu, que ironia, sou um homem sem futuro.
Comecei a desconfiar que aquilo era somente café. Os lamentos de Marty eram deprimentes. Parecia, ele, vítima de um passado recheado de fracassos e decisões equivocadas. Nem de longe lembrava o primeiro ser humano a tocar Johnny B. Good. Com a timidez de um coadjuvante, tentei auxiliá-lo.
- Mas… Você foi ao futuro salvar o casamento. Lembra?
- Sim. Mas eu consegui? Ainda nem é 2015 e nós não estamos mais juntos. Antes não tivesse ido.
Agir. Já era hora:
- Calma lá. Essa autoflagelação é ridícula. Você viajou no tempo, fez tudo o que um adolescente queria fazer e é um dos maiores ícones pop de todos os tempos. Porra, você é o Marty Mc”fucking”Fly!
Nesse momento ele parou a xícara 10 centímetros de distância da boca. Olhava para frente, para o nada, claramente racionando o que acabara de ouvir. Voltou a xícara até o balcão sem beber o café, virou-se pra minha direção e, pela primeira vez olhando em meus olhos, questionou retoricamente:
- Eu viajei no tempo?
Claro que não precisei responder. Deixei-o seguir a teoria.
- É, eu viajei no tempo. Eu tentei mudar o presente da maneira mais preguiçosa do mundo. Não agindo dignamente e tomando decisões, mas reescrevendo o que já havia sido escrito e publicado. Eu podia errar, bastava voltar no tempo e corrigir.
- O presente.
- Hein?
- Você voltava no passado para mudar o presente. Mas você nunca mudou o futuro. Aliás, mudou o futuro indo até ele. Não no presente.
- Isso é… Como dizia mesmo o Doc? Ah, sim. Paradoxo temporal
- Exata… Não, não é um paradoxo. É vida real. O homem não pode brincar no tempo. Porém, ele não tem somente uma chance. Ele tem sim um presente e vários futuros. Esse, depende de suas escolhas.
- O que você quer dizer?
- Quero dizer que você não pode mudar o passado. Mas pode mudar o futuro.
O terceiro e último silêncio foi mais longo. Contudo, positivo. A reação foi imediata e, quando reparei, ele já estava fora do café entrando num carro cinza. Ia, creio eu, iniciar a mudança de seu futuro. Da forma como deve ser: imediatamente.
O grande barato do futuro é justamente esse controle que temos sobre ele. O destino não é escrito de uma vez, mas aos poucos. Pausadamente e a partir, principalmente, de suas escolhas. Portanto, não espere um capacitor de fluxo. Se você quer mudar seu futuro, comece agora. O tempo não dá tréguas.
E muito menos pára."
fonte:http://www.quemmatouatangerina.com/2008/11/26/o-dia-que-encontrei-marty-mcfly/